Mais de 130 agentes do Grupo de Atuação Especial de Combate às Organizações Criminosas (GAECO) participaram na manhã de hoje da Operação “Entre Lobos”, que desarticula uma estrutura criminosa interestadual especializada em fraudar idosos e pessoas vulneráveis. A ação cumpriu 13 mandados de prisão (oito preventivas e cinco temporárias), 35 mandados de busca e apreensão e bloqueios de R$ 2 milhões por investigado, em 12 cidades de cinco estados: Santa Catarina, Ceará, Rio Grande do Sul, Bahia e Alagoas.
Os alvos são 13 pessoas e três empresas ligadas a uma organização criminosa sofisticada, que se utilizava de estratégias jurídicas e tecnológicas para aplicar golpes com cessões de crédito judicial. Estima-se que mais de mil vítimas, com média de idade de 69 anos, tenham sido lesadas em todo o país.
ESQUEMA CRIMINOSO
A investigação, iniciada há quase um ano pela Promotoria de Justiça da Comarca de Modelo (SC), revelou um esquema estruturado que abordava idosos em casa ou pela internet, oferecendo supostas ações revisionais de contratos bancários. Após a abertura dos processos — muitas vezes sem consentimento claro — as vítimas eram levadas a assinar contratos de cessão de direitos com empresas de fachada, recebendo valores irrisórios em troca de montantes muito maiores que teriam a receber judicialmente.
Um dos braços do golpe era o site do chamado Instituto de Defesa do Aposentado e Pensionista (IDAP), uma fachada que captava vítimas pela internet sob a aparência de legalidade.
Para simular legalidade, integrantes do grupo conduziam os aposentados a cartórios para reconhecer firma dos contratos fraudulentos.
IMPACTO E MEDIDAS JUDICIAIS
A operação também incluiu:
• 25 apreensões de veículos
• 16 bloqueios de contas bancárias
• Mandados judiciais expedidos com apoio da Justiça de SC e cumpridos em diversos estados com a presença da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), garantindo o respeito às prerrogativas legais da advocacia.
As provas colhidas mostram a existência de uma estrutura altamente coordenada, com divisão de tarefas, manuais de operação, orientação sobre como ocultar a atuação criminosa e até estratégias para responder a contestações das vítimas.
A expectativa do Ministério Público é de que o número de vítimas identificadas, que já chega a 215, cresça nos próximos dias com a análise do material apreendido.
Para ilustrar a gravidade da exploração aos idosos, casos concretos demonstram a disparidade entre os valores liberados pela Justiça e os pagamentos efetivamente realizados às vítimas.
• Em situações analisadas, enquanto uma vítima tinha direito a receber R$ 146.327,17 determinado judicialmente, recebeu apenas R$ 2.500,00 por meio da cessão fraudulenta, representando apenas 1,71% do valor devido.
• Outra vítima, com direito a R$ 117.711,86, recebeu somente R$ 2.500,00, correspondendo a 2,12% do montante.
• Um terceiro caso revela que uma vítima com crédito judicial de R$ 115.660,20 recebeu apenas R$ 2.000,00, equivalente a 1,73% do valor que lhe era devido por direito.
EMPRESAS DE FACHADA
As investigações demonstraram que os contratos de cessão eram assinados em nome das empresas de fachada Ativa Precatórios e BrasilMais Precatórios, porém os alvarás eram todos expedidos em nome do escritório de advocacia da pessoa que a investigação apontou como chefe da organização criminosa. Depois, os valores eram, em parte, transferidos para as empresas e/ou rateados entre os integrantes do grupo criminoso.
Segundo as apurações, por meio da empresa de fachada Ativa Precatórios, da cidade de Pinhalzinho/SC, foram liberados pela Justiça um total de R$ 924.479,10, mas pagos às vítimas apenas R$ 91.600,00, representando uma taxa de pagamento de apenas 9,91% do valor real devido, uma apropriação indevida de R$ 832.879,10.
Já por meio da BrasilMais Precatórios, com sede em Fortaleza/CE, foram liberados valores ainda mais alarmantes: de R$ 5.106.773,12 liberados pela Justiça as vítimas receberam somente R$ 503.750,00, resultando em uma taxa de pagamento de apenas 9,86% do valor devido, uma apropriação de R$ 4.603.023,12.
Somando as duas empresas, o valor total adquirido pela organização criminosa e liberado pela Justiça foi de mais de R$ 6 milhões, porém os idosos explorados pelo esquema receberam menos de 10% do valor que lhes era devido por direito.
A investigação aponta que o esquema estaria utilizando as empresas de fachada para aquisição de créditos judiciais e como instrumento para formalizar as cessões fraudulentas e, ao mesmo tempo, com método para distanciar os criminosos que extrapolavam a função de advogado das reclamações e questionamentos das vítimas. Como as empresas de fachada eram as novas detentoras dos créditos judiciais, quaisquer esclarecimentos ou questionamentos financeiros eram direcionados a elas, fato que, sob a aparência de legalidade e boa-fé, denuncia o complexo emaranhado criado pela organização criminosa e sofisticação dos golpes.
Durante a investigação foram identificadas planilhas de controle financeiro detalhando a divisão de lucros, comissões pagas, investimentos e despesas, revelando a partilha de proveitos ilícitos entre os envolvidos. Também foram coletados registros de procurações e substabelecimentos que indicam a transferência de poderes de representação entre os criminosos que extrapolavam a função de advogado e as empresas.
ESTRATÉGIAS DOS CRIMES
A análise dos dados revelou que as empresas adquiriam os direitos sobre os créditos mesmo após a prolação de sentenças de primeira ou segunda instância, quando o direito da vítima já estava consolidado. Essa prática visava maximizar os lucros do grupo, assumindo menor risco processual.
Há fortes indícios de crime de patrocínio infiel, onde os criminosos que extrapolavam a função de advogado, valendo-se da estrutura de empresas criadas pela organização criminosa, atuavam em conflito de interesses com seus próprios clientes, em clara afronta à lei e à ética da advocacia, desviando os direitos dos idosos para o caixa do grupo.
ORIENTAÇÃO ÀS VÍTIMAS
Pessoas que se identificarem como vítimas do esquema devem procurar a Delegacia de Polícia Civil mais próxima para registrar um boletim de ocorrência, o qual será posteriormente encaminhado ao Ministério Público para as providências cabíveis. Também podem contatar a Ouvidoria do Ministério Público ou a Promotoria de Justiça de Modelo.
É fundamental que todas as vítimas se manifestem para que a investigação possa dimensionar adequadamente o alcance dos crimes, identificar os lesados e garantir a devida reparação dos danos causados.
• Promotoria de Justiça da Comarca de Modelo – Whatsapp: (49) 99200-7462
• Ouvidoria do MPSC: E-mail: [email protected] / Fone: (48) 3229-9306 ou 127, das 9h30 às 19h
• Delegacia de Polícia mais próxima
ORIGEM “ENTRE LOBOS”
A denominação “Entre Lobos” foi escolhida para refletir a gravidade e a natureza predatória dos crimes investigados. O nome faz alusão ao abuso de confiança praticado por criminosos que extrapolavam a função de advogado que, traindo a ética da boa advocacia, ao invés de defender os interesses de seus clientes – em sua maioria idosos e vulneráveis -, apropriaram-se de valores de forma fraudulenta, atuando como verdadeiros predadores. Além disso, o nome da operação presta homenagem a uma das vítimas falecidas durante a investigação, de sobrenome “Wolf”, que remete ao termo “lobo” em inglês. O nome também simboliza uma homenagem a outras vítimas fraudadas que, infelizmente, vieram a óbito durante a investigação sem receber o que era devido.
GAECOP
O Grupo de Atuação Especial de Combate às Organizações Criminosas (GAECO) é uma força-tarefa conduzida pelo Ministério Público de Santa Catarina e composta pela Polícia Civil, Polícia Militar, Polícia Penal, Receita Estadual e Corpo de Bombeiros Militar, e tem como finalidade a identificação, prevenção e repressão às organizações criminosas.