
Os episódios da noite de ontem na Câmara dos Deputados revelam, mais uma vez, a profunda distância entre o discurso público de moralidade e o comportamento real de parte dos parlamentares brasileiros. Dois casos graves, ambos envolvendo agressões explícitas cometidas por deputados de lados opostos do espectro ideológico, foram tratados com a mesma lógica corporativista: a blindagem mútua em nome da autopreservação.
O caso Glauber Braga: agressão registrada, punição ignorada
Em meados deste ano, imagens de câmeras internas flagraram o deputado Glauber Braga (PSOL) expulsando um cidadão de uma comissão da Casa com socos e pontapés. O motivo: o homem criticava as posições ideológicas do parlamentar — algo absolutamente normal em um ambiente democrático.
Mesmo com a evidência incontestável de agressão física e quebra explícita de decoro, a Câmara decidiu, por maioria, livrar Glauber da cassação. A mensagem enviada é clara: a violência pode ser relativizada quando parte de um dos “seus”.
O caso Carla Zambelli: condenação pelo STF, arquivamento na Câmara
No mesmo plenário, na mesma noite, outro caso emblemático teve o mesmo desfecho. A deputada Carla Zambelli (PL), condenada pelo Supremo Tribunal Federal por perseguir e ameaçar um cidadão com arma em punho durante a campanha de 2022, teve seu processo de cassação arquivado.
Um ato gravíssimo, transmitido ao vivo à época, que representou risco concreto à integridade de um cidadão desarmado, simplesmente não foi considerado suficiente para a perda do mandato.
Dois extremos, o mesmo padrão
O mais simbólico desses episódios é que eles não representam posições ideológicas distintas se anulando — representam um sistema inteiro se protegendo.
Quando parlamentares de esquerda e direita, ambos envolvidos em atos de violência contra cidadãos, são blindados pelo plenário, fica evidente que o que os une não é projeto de país, mas a preservação do próprio poder.
Corporativismo que mina a democracia
Essa repetida proteção mútua aprofunda a sensação de que o Congresso vive numa bolha desconectada do país real, onde regras que valem para qualquer cidadão simplesmente não se aplicam a eles.
O resultado é previsível: descrédito, indignação e o enfraquecimento de qualquer confiança que a sociedade ainda tente depositar nas instituições.
Quando comportamentos violentos, autoritários ou criminosos são naturalizados pelos representantes eleitos, o recado que chega ao público é que o decoro parlamentar não passa de formalidade — e que a ética, na prática, é negociável.
Conclusão
O corporativismo visto ontem não é exceção: é sintoma. Sintoma de um Congresso que insiste em se colocar acima das consequências de seus próprios atos.
E enquanto essa lógica prevalecer, não será a democracia que estará sendo defendida — será apenas a autoproteção de grupos políticos que, cada vez mais, demonstram não enxergar a sociedade que deveriam representar.













